sábado, 15 de junho de 2019

Ser mãe ou jogar futebol, o dilema das mulheres que vivem da bola



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Depois de superar as barreiras comuns para se tornar uma jogadora, Tamires vivia, aos 21 anos, o auge da carreira. Já tinha subido para o profissional, atuado no exterior e se preparava para conciliar o esporte com os estudos nos Estados Unidos. Mas, ao fazer exames de rotina, descobriu que estava grávida. “Eu chorei por três dias seguidos. Achava que o futebol tinha acabado para mim”, conta a lateral-esquerda titular da seleção brasileira na Copa do Mundo feminina. Pela gestação e, mais adiante, para cuidar do filho Bernardo, ela ficou afastada dos gramados por quase quatro anos. “Era impossível viver a maternidade e a rotina de atleta ao mesmo tempo.”

Não por acaso, Tamires é a única mãe entre as 23 atletas brasileiras no Mundial da França. Já na seleção masculina, apenas seis jogadores não têm filhos. O plantel formado pelo técnico Tite acumula 32 herdeiros, incluindo o segundo filho do goleiro Alisson e o terceiro do zagueiro Miranda, que ainda não nasceram. Além dos nove meses de gravidez, as jogadoras precisam enfrentar a resistência dos clubes, as exigências da modalidade em alto rendimento e a adaptabilidade dos parceiros caso desejem realizar o sonho de constituir uma família sem abrir mão da carreira.

Uma confluência de fatores contribuiu para o retorno de Tamires ao futebol. O marido César também era jogador. Eles se conheceram quando jogavam no Juventus, em São Paulo. Depois da gravidez, Tamires decidiu acompanhá-lo em sua trajetória itinerante, pulando de clube em clube, até chegarem a São Bernardo do Campo. Na cidade do ABC Paulista, ela conseguiu retomar a carreira jogando pelo Centro Olímpico. Enquanto treinava, o filho ficava com os pais de César. Chegou à seleção e, em 2015, recebeu uma proposta para atuar no Fortuna Hjørring, da Dinamarca. Os papéis, então, se inverteram. Foi o marido quem pendurou as chuteiras para poder acompanhá-la.

Hoje, ele cuida da casa e de Bernardo enquanto a lateral se desdobra entre treinos, jogos, viagens e a função materna. “No começo, foi complicado. Não estava acostumada a ficar tanto tempo longe do meu filho. Ele ainda sente quando vou viajar ou disputar torneios com a seleção. Mas é um sacrifício que vale a pena. Por ele e pelo futebol”, afirma Tamires, que, apesar das obstáculos que teve de derrubar, se diz realizada na dupla jornada dez anos depois de dar à luz.

Porém, nem sempre as mulheres contam com o mesmo desprendimento dos parceiros em prol de suas carreiras. Craque da seleção, Marta tem 33 anos e sonha ser mãe, mas só considera a possibilidade após parar de jogar. Ela compara as realidades do esporte entre feminino e masculino, frisando que, por ganharem maiores salários, os jogadores conseguem levar toda a família para a cidade onde jogam. Por isso, se considera, no momento, “casada com o futebol”. Outro fator que desestimula atletas a engravidarem é o curto prazo de utilidade no alto rendimento, em que veteranas como Formiga, de 41 anos, são raras exceções.



“As mulheres atletas costumam postergar a decisão de ter filhos porque a carreira acaba exigindo que a dedicação integral às competições prevaleça”, explica a médica Tathiana Parmigiano, especialista em ginecologia do esporte. Ela ressalta que não há nenhuma contraindicação que impeça jogadoras de levar adiante uma gravidez. No entanto, durante o período de gestação, é preciso adaptar os treinos e evitar as atividades de performance, já que, por se tratar de uma modalidade de contato, o futebol oferece perigo de choques à gestante. O risco de quedas também aumenta, devido a mudanças no centro de gravidade do corpo da mulher com o crescimento do útero. Após o parto, explica Parmigiano, o tempo de retorno aos treinamentos varia de acordo com cada atleta, sem nenhum tipo de restrição física. “Uma jogadora pode voltar tão bem ou melhor que antes da gestação.”

Os clubes, no entanto, raramente garantem estrutura e suporte às mães atletas. Na Espanha, o sindicato das atletas luta pela derrubada das cláusulas estipuladas em contratos que permitem às equipes rescindir o vínculo sem necessidade de pagar indenização em caso de gravidez. A prática é vedada pela legislação trabalhista no Brasil, o que não afasta o receio das jogadoras em engravidar por medo de serem abandonadas pelo clube. A maioria delas não tem carteira assinada e atua de forma amadora, com contratos de curto de prazo que preveem apenas ajuda de custo. No vôlei feminino, casos como os de Tandara e Karine, que entraram na Justiça contra o Praia Clube por não terem vínculos renovados após ficarem grávidas, reforçam a difícil realidade das atletas que buscam ser mães.

Entraves à maternidade não se restringem ao país do futebol. Titular da seleção argentina, a meia Lorena Benítez viajou para a França poucas semanas depois de se tornar mãe. Em maio, sua esposa Verónica Rivero deu à luz a um casal de gêmeos concebidos por inseminação artificial. O processo invasivo de coleta dos óvulos obrigou Benítez a se afastar dos campos por quase dois meses. Na seleção sul-coreana, Hwang Boram ficou mais de um ano e meio parada por causa da gravidez. Voltou a jogar somente em dezembro de 2018, a tempo de ser convocada para o Mundial. Seu marido ficou na Coreia, cuidando da filha, enquanto ela realiza o grande sonho da carreira.

Fonte: MSN Notícias 



















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